Timidez não é defeito

Timidez não é defeito

‘Participar’ das aulas, mesmo que seja falando qualquer bobagem, é atitude exaltada por educadores
ROSELY SAYÃO
TODA CRIANÇA tem o direito de ficar sozinha e quieta. Toda criança tem o direito de não ser extrovertida, de gostar de brincar com poucos colegas e de não responder a todas as perguntas que os adultos lhe fazem, inclusive -e principalmente- pais e professores. A criança tem o direito de ser tímida! Mas, pelo jeito, estamos roubando esse direito dela. Já faz um tempo que “participar” das aulas na escola, mesmo que seja falando qualquer bobagem, tem sido uma atitude exaltada e incentivada pela maioria dos educadores.

Receber muitos telefonemas, convites para festas, para brincar na casa de colegas da escola ou mesmo para viajar no final de semana tem sido tratado como índice de boa socialização. Os pais, em geral, se preocupam quando os filhos, mesmo os menores de seis anos, não são “populares” entre seus pares. Mas o problema é que, agora, estamos exagerando. Não basta considerar a timidez um defeito: queremos transformar essa característica em patologia, tratar. Isso já é demais. A mãe de um menino de dez anos me escreveu contando que a escola que seu filho frequenta promoveu uma palestra para os pais com o título “Como tratar as crianças tímidas”. Ela foi, ouviu tudo e voltou preocupada. Agora, essa mãe acredita que precisa levar o filho para um tratamento psicológico porque, segundo aquilo que ouviu na escola, ou pelo menos o que interpretou do que lá foi dito, o futuro do filho não será lá muito promissor caso ele não consiga superar a timidez que hoje apresenta. No mundo da diversidade, não suportamos as diferenças, é isso? Queremos que nossos filhos tenham todos os brinquedos que os colegas têm. Queremos que viajem para os mesmos lugares que seus pares contam ter visitado, que usem as roupas e os calçados das mesmas marcas que a maioria dos colegas e que se comportem de modo semelhante ao da maioria. Acreditamos que crianças padronizadas e uniformes formam um grupo, e que os diferentes são excluídos dele. Isso é uma grande violência que nós praticamos contra os mais novos.

Afinal, será que desconhecemos que o mundo tem lugar para todo tipo de pessoa? Será que ninguém conhece adultos bem-sucedidos em sua profissão e que são extremamente tímidos na vida social? Conheço pessoalmente vários casos assim e, por leitura de biografias, muitos outros. Escritores, cientistas com renome internacional, artistas, professores etc. E adultos muito extrovertidos, com uma vida social intensa e uma rede de conhecidos enorme, mas que apesar disso são infelizes e não realizados na vida: será que ninguém conhece? Temos tratado as crianças de uma maneira muito pouco respeitosa. Não suportamos que elas sejam muito ativas, rebeldes, que fiquem tristes, que reclamem, que desobedeçam, que queiram ficar quietas, que não parem, que sejam tímidas.

Ora, queremos formar uma massa de crianças medianas ou medíocres? Vamos deixar as crianças tímidas em paz. Elas podem mudar na adolescência. Aliás, as muito extrovertidas também podem se transformar em tímidas nessa mesma época da vida. Timidez não é defeito, tampouco doença. É apenas uma característica e, se a criança tiver oportunidades de ser aceita e reconhecida da maneira como ela é no momento e aprender a não permitir que esse seu traço impeça a sua vida de acontecer, ela crescerá de acordo com seu potencial e conseguirá, sim, encontrar meios de viver de acordo com esse seu jeito de ser. Se, ao contrário, insistirmos para que ela altere essa sua característica, aí sim, nós poderemos atrapalhar o seu desenvolvimento e prejudicar o seu autoconhecimento, o que é fundamental para qualquer pessoa viver melhor.

3 opiniões sobre “Timidez não é defeito

  1. Olá! Sou de Joinville/SC e estou fazendo licenciatura em Letras Inglês/Português e estava pesquisando na internet sobre esse tema e encontrei o seu texto. Particularmente também sou tímido e gostei muito das suas idéias. Gosto de ter o meu espaço e um círculo menor de amizades, mas sempre me senti pressionado a ser mais expansivo e isso é muito chato. Abraço!

    • Sou um simples professor preocupado com meus alunos. Nesses quase 25 anos de sala de aula o que percebi é que o grande diferencial é mesmo a pressão social : quando vc está seguro e sabe q é seu jeito e não há problemas nisso, tudo bem; quando vc ainda não se definiu se tem ou não um “problema” vc pode mudar ou ter mesmo problemas…Mas que é chato, é. Obrigado pelo registro.

  2. estou orientando um grupo de professores que registram em seus relatórios de turmas de 1 ano a 5 anos o aluno é tímido… pedi para relatarem melhor esse comportamento sem descrevê-los como tímidos mas ainda estou insegura … é por aí…

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